quarta-feira, 4 de maio de 2011

Conversa de lavadeiras...tô dentro.

Não existia sequer uma idéia de que o nome para a safadeza dos patrões era Assédio, nos meus tempos de menina e, já ouvia relatos das mais moças o quanto sofriam com este tipo de " crime".
Moravamos num  bairro simples com casinhas financiadas pela Caixa separadas por cercas de taquara; minha mãe tinha por costume conversar, enquanto lavava as roupas, a famosa conversa das lavadeiras. Sobre estes costumes tenho algo à dizer, nunca vi as mulheres abandonarem suas responsabilidades pra ir conversar, assim como muito homens fazem.As mulheres nunca tinham a liberdade de sair para relaxar, onde deixar as crianças pra depois do trabalho, ir  pra um lugar qualquer trocar idéias, desabafar, tomar uma cerveja com as amigas,  isso era inconcebível." Mulher deveria esquentar a barriga no fogão e esfriar no tanque" diz o ditado popular.
Pelo contrário, lembro da minha mãe pondo a roupa para quarar, colocando anil para que ficassem branquinhas, não existia fraldas descartáveis e como eramos pobres, ela corria lavar as que podia para que não tivessemos assaduras, lembro o zelo com a farda do meu pai, que tinha que estar impecável.
 Foram muitas às vezes em que passava dias sozinha sem uma pessoa para conversar, para ajuda la a cuidar de tantas crianças pequenas, para ouvir seus desabafos , tirar suas dúvidas, até para socorre la em qualquer situação de necessidade; meu pai ia de um trabalho para outro e não aparecia em casa.
Eramos nós ali sozinhos, distantes da família que ficou em Sorocaba, enquanto morávamos em Laranjal. Cansada de lavar, passar e cuidar das crianças e com o marido sempre fora, minha mãe precisava conversar, é natural. Só tivemos uma TV quando eu já contava com 8 anos , o mundo da minha mãe se resumia somente as pessoas que entravam em nossa casa e as vizinhas que acabavam tendo grande importancia em nossas vidas, foi atraves destas amizades que construíamos a nossa rede social, elas acabavam sendo mais próximas que nossos tios e tias, elas eram nossas madrinhas, nossos anjos guardiões. As vizinhas eram nossa referência e seus filhos,  mais que amigos, quase irmãos...com eles compartilhavamos nossos sonhos, aprendíamos a viver... Também aprendi o significado da conversa das lavadeiras, era gostoso  ver as mulheres falando alto, rindo e contando os causos das outras mulheres e sempre ali: esfregando e batendo a roupa no tanque.
 Tinha também as famosas horas do tricô, momento em que sob o pretexto de tricotar, costurar, fazer um enxoval, aprender um ponto novo: as mulheres se reuniam para prosear.
Nestes momentos elas iam além da mera aprendizagem e confecção de colchas de retalhos,  faziam sua terapia, contavam seus segredos, revelavam seus medos e compartilhavam seus conhecimentos...Quanta coisa aprendi assim com essas mulheres; ouvindo, observando a sua forma de resistencia ao ostracismo da vida privada, a sua forma de valorizar o trabalho doméstico que a sociedade faz questão de não qualificar como produtivo, e se torna quase que um trabalho escravo, que a mulher executa várias vezes ao dia, todos os dias, e por ele não recebe nada. O não reconhecimento desta preciosa contribuição, que só mesmo quem ama é capaz de fazer, passa por caracterizar mais uma das injustiças de uma minoria para com a maioria de nós.
Voltemos as conversas da minha mãe com a vizinha enquanto lavavam e quaravam a roupa suja...Foi exatamente numa destas conversas que ouvi falar pela primeira vez de assédio sexual, só que com o nome " safadeza".
 A história era mais ou menos assim, uma adolescente foi trabalhar de empregada na casa de um casal com quatro filhos, como empregada e babá, ganhando uma miséria, acontece que a tal moça era muito inteligente e continuou estudando, até que conseguiu trabalho no comércio do pai do patrão e aí...todos falavam que a moça vinha chorando do trabalho, chegou a aparecer com as roupas rasgadas e quando ela acusou o patrão, foi severamente julgada por todos como: culpada.
Sim, ela é que era apontada como responsável pelo assédio; uma moça bonita, inteligente, ninguém tinha dúvidas de que era uma cobra querendo roubar o marido da ex patroa.
 Conheci a tal moça ,  morava ali pertinho da minha casa, a descrição que faziam dela não correspondia com o que eu via. Uma adolescente mulata, de aparência simples, sem grandes atributos físicos, nada de peitões e bunda grande, mais parecia uma menina, pequena, daquelas que não ficam quietas. Possui uns olhos trigueiros que denotavam toda sua esperteza, eram grandes, atentos... Era ela a filha mais nova de um casal de idosos que dependiam dos seus cuidados. A casinha que moravam era pequena e quase tudo era velho. Minha vizinha, a tal moça, tudo fazia para manter a casa limpa e os móveis conservados, numa atitude bastante responsável.
Onde estava a " mulher sedutora e maquiavélica" que descreviam de boca em boca?
Somente nas explicações esfarrapadas do patrão, para justificar para a família e a sociedade seus abusos...
 Esta moça ficou marcada como a culpada por tudo de ruim que acontecia...não conseguiu mais trabalho, as "amigas" se afastaram...Soube que ela casou com um pobre coitado, alcoolatra e, vez por outra pegava pra lavar roupa e trabalhava na roça.
Como resposta a hipocrisia da sociedade, esta moça foi apontada como quem provocou a situação que acabou com sua vida, somente uma criminosa: a mulher .
 Era comum  a defesa apresentar em crimes, como: estupro, violência doméstica e principalmente os assassinatos a desculpa de uma suposta defesa da honra.  As  mulheres foram tratadas como coisa, tinham donos, que delas tinham posse através: do casamento ou da paternidade. Eram responsáveis em lhes dar filhos,e cumprir com um grande rol de tarefas domésticas zelar pela moral e bons costumes de uma forma tal que: muito pouco ou quase nada era permitido pra mulher. Já, aquelas que precisavam trabalhar fora para ajudar o sustento da família, ficavam desprotegidas, presas fáceis de uma sociedade machista que, preferia dar crédito ao homem que abusava que à vítima que denunciava.
Não é difícil de imaginar quantos crimes ficaram impunes.  É grande o número de assediadores, estupradores e assassinos que se livraram da acusação de um crime, pelo simples fato da resistencia em:  não querer expor à público o que se passa na vida privada.E tudo em nome de uma falsa moral e costumes, muito mais tolerante com o criminoso, assim passamos a condenar a  vítima ao isolamento e ao julgamento, realizado sem um mínimo de condescendência. Foi este o tratamento dado  durante muito tempo as mulheres que ousaram denunciar os crimes cometidos por seus chefes, seus patrões.
Quando comecei a trabalhar, ainda menina, tinha a mesma preocupação: não seria a proxima a sofrer assédio? não receberia o mesmo tratamento? Ficava receosa e, quando percebia da parte do patrão qualquer tipo de elogio ou atenção corria pedir pra minha mãe conseguir outro trabalho.Até que cresci e tive que enfrentar chefes e patrões e em algumas ocasiões situações  fiquei exposta ao assédio...cada vez mais fui buscando meios de defesa, velhas conhecidas das mulheres: roupas menos femininas, cara fechada, dizer que o pai ou o namorado vinham buscar, fugir de ficar sozinha com o chefe, não rir de brincadeirinhas, não aceitar presentes, nem convites, não ficar até mais tarde...e fui cada dia tornando o meu trabalho uma batalha, em que eu ficava entrincheirada, na defesa, camuflada pra não despertar o interesse de chefes e patrões, confesso que isto sempre me incomodou.
Não sei quando a minha revolta e indignação começou a ser generalizada para homens e mulheres, percebi que o medo de perder o trabalho, a submissão das mulheres só fazia aumentar a impunidade daqueles homens que praticavam " crime" contra os costumes. Não dava pra aceitar que sempre o criminoso saísse impune. Busquei entender este tipo de sociedade, formada por homens e mulheres, que tratam seus agressores com tanto cuidado enquanto são capazes de destruir a vida dessas mulheres. São conhecidas as frases:"em briga de marido e mulher ninguém mete a colher" ou " tapa de amor não dói"  pior ainda " ela é igual mulher de malandro, gosta de apanhar".
 A nossa sexualidade é um estigma, temos que oculta la, já a facilidade dos homens em ter muitas parceiras e usar de violência passou despercebida e foi devidamente tolerada durante muito tempo.
 Hoje os jovens abusam da sua liberdade sexual, desprezam as convenções, porque bem mais críticos  que nós eles questionam a moral apresentada pela sociedade, acabaram por deixar valores importantes pra traz: como família, filhos... Estão perdidos entre as mentiras que dissemos, e que eles descobriram, e o mundo globalizado e sem regras que eles tem acesso.
O assédio virou lei, tem previsão de punição mas, para conseguir as tais provas ainda dependemos da sociedade e da sua parceria para punir os culpados, ainda enfrentamos a moral hipócrita do passado.
 Hoje temos outro tipo de assédio que também está sendo muito debatido e que vem prejudicando muitos trabalhadores: Assédio Moral.
Impossível não ter uma histórinha , um exemplo sequer sobre o tema.
Trabalhando na política descobri que sou mais rebelde e talvez teimosa do que pensei que fosse, sem citar nomes, vou falar de algumas situações que não guardo por que me deixaram saudades mas, que provocaram em mim uma reação de indignação que carrego até os dias de hoje e me fortalecem cada vez mais nos meus ideais.
Eu fui durante muito tempo tão somente mãe e esposa e não trabalhei para fora, no entanto fiz tudo que pude pela minha família. Considero como produtiva esta contribuição, vejo nos meus filhos o quanto, o amor e o respeito que ensinei estão dando frutos, muito mais com exemplo que com palavras, numa parceria que nos torna cumplices por toda a vida...
Foi então que comecei à trabalhar, tateando aqui e ali, buscando aprender...mas as pessoas ao meu redor já tinham me classificado e rotulado como "incapaz", e tudo fizeram para provar minha "incompetencia."
Ninguém me ajudava no computador... não tinha uma mesa, uma cadeira, nada que fosse importante era passado para que pudesse desenvolver, constantemente era motivo de piadas.
Fui deixando de lado toda a fé nas pessoas, comecei a acreditar que não sabia e nunca aprenderia nada, que somente estava ali por pura piedade e simpatia dos patrões.
 As  reuniões eram agendadas fora de hora, pra ver se eu não iria faltar , pois sabiam dos meus compromissos com meus filhos, diziam isto abertamente. Os supostos, grandes e insuperáveis homens,  meus chefes e o mais triste, das  mulheres também, recebi muitas críticas e desdém. Como uma pessoa sem nível universitário entre elas? Quem era responsável em colocar, uma simples " dona de casa", que fala da sua rotina, do almoço, dos serviços domésticos, que pega crianças na escola, que fala da família...num espaço político, de gente graúda, poderosa?
 Num determinado momento ouvi o seguinte: " eu te pago e você obedece"...num outro " quem você pensa que é sem nós" ou " com o que pagamos vocês poderíamos pagar duas outras secretárias de nível universitário" ... MENTIRA!
Percebi que todo meu trabalho passava despercebido, minhas idéias eram usurpadas pelos mais "ladinos" e melhor apresentadas numa pasta , digitadas e fui sendo desqualificada.
Acontece que temos o nosso limite e com certeza não eram estas pessoas e suas presunções que iriam acabar com minha auto estima, aprendi muito com meus avós, sobrevivi a violência e as torturas do meu pai...e não seria desta vez que eu cairia. Manifestei minha vontade de sair e fui bater noutros costados...e fui caminhando e outras pedras encontrei pelo caminho, pessoas parecidas, situações identicas.
 Num outro trabalho, tive um tratamento quase que igual, só me deram uma mesa e uma cadeira e tão somente isto, nenhum papel...nada pra fazer. Comecei por atender o telefone, anotar recados e números e a montar uma pequena agenda, depois fui organizando papeis...limpando mesas e acabei por ser útil.
 Posso também falar de mais um trabalho , em que as pessoas tinham receio que eu fizesse algo ou que entendesse a minha função, na verdade percebi que tudo era muito bem encaixado, todos eram muito " amigos" e que eu não era bem vinda. Não sou uma pessoa ambiciosa e não tenho o que poderia ser classificado como hábitos caros e luxuosos. Vivo uma vida modesta, somos trabalhadores assalariados, pagamos uma casa financiada, temos o nosso " Pois é"...O que via eram pessoas fazendo várias estravagâncias para viver num mundo que não condizia com seu salário, cheias dívidas...o desespero em ter mais, numa ambição desmedida...construíram para si um mundo de aparências. Eu não poderia ser aceita por eles, não tinha o perfil...não sou capaz de sacrificar minha família por status social, não posso sobreviver  num mundo de ilusões.
 Estou batalhando pra aprender, todos os dias, um pouquinho mais do que sabia naqueles tempos e se por acaso encontro com estas pessoas na rua, o que fica difícil visto que não frequentamos os mesmos lugares, não sinto mais nada.
Ficou a lição e o crescimento que busco alcançar, sempre...A disposição em nunca me perder de minha raiz, a decisão de não me afastar das pessoas simples que passam todos os dias pra ir pro trabalho de onibus, as mesmas que vão buscar os filhos na escola, que encontro nas filas do supermercado, na feira, estas que cada vez mais eu admiro e respeito.
Descobri que sempre fiz Política.A verdade é que "somos" seres políticos. Descobri ainda que,  o fato de ser dona de casa, em nada deve ser encarado como situação de fragilidade ou de motivo de piadas ao contrário, demonstra maior responsabilidade ( veja a nossa dupla jornada) e deve "sim", ser motivo de orgulho para as mulheres. Quem, além das mulheres, teria a competência de fazer e desempenhar nossa dupla, tripla jornada?  Afinei meu discurso e me fortaleci nos meus ideais. Quanto à estas pessoas que dizem fazer política...É possível que elas batam em nossas portas pedindo  nosso voto, tomem nosso café, beijem nossos filhos, doem cestas básicas e camisetas...pois esta é a maneira que conhecem para conquistar o voto. Políticos incapazes de trabalhar como parceiros, conheço seu discurso e suas ações...não tem humildade suficiente para entender as nossas opções, nossos dilemas e  nossa contribuição para que este seja um mundo cada vez melhor, construído com bases sólidas nos valores vindos, do amor e fraternidade.
 Não valorizam a mulher, não assumem nossas bandeiras, não respeitam nossas leis e o princípio constitucional que garante a dignidade da pessoa humana e tratamento igual para homens e mulheres.

Podemos encontrar  na Constituição:
Art 1 -  A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos :
I- a soberania;
II- a cidadania;
III- a dignidade da pessoa humana;
IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V- o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Art 5  - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I -homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

Eis o que diz a Constituição Cidadã, é só cumprir e respeitar o povo : homens e mulheres, crianças e idosos...brancos e negros...deficientes...
"Viver e não ter a vergonha de ser feliz"

2 comentários: