quarta-feira, 20 de abril de 2011

A arte da guerra

            Posso falar de muitas coisas e , com certeza perderei de contar outras tantas mais relevantes e interessantes que estas que selecionei.
           O mecanismo que temos para imprimir importância maior deste sobre aquele vem da nossa sensibilidade em retirar somente o que nos tocou, e fez com que aprendecemos algo, assim se faz na educação, você apreende algo de tudo que te ensinaram, você seleciona aquilo que lhe é útil . A educação tem que ter sentido, ser útil e sensibilizar o aluno para que apreenda a matéria, assim mude de comportamento.Porque quando aprendemos algo, mudamos nosso comportamento, isto em relação a nova condição que estamos, agora detentores de uma informação, que nos torna aptos para uma mudança, por exemplo: aprender a ler. Quantas coisas mudam quando somos alfabetizados.
              Vou falar da minha avó paterna, numa circunstância que me tocou profundamente.
             Vínhamos poucas vezes para Sorocaba e quase sempre na casa da minha tia Miriam, irmã da minha mãe, mas aconteceu de meu pai vir visitar minha avó e acabou me deixando passar uns dias com ela.
            Foram dias especiais, ficava ao seu lado assistindo TV; entre um ponto e outro de  uma linda blusa que ela tricotava para minha tia eu atendia seus pedidos pra ler alguma coisa que ela desejava saber, numa revista qualquer de crochê e tricô. Quando meu pai veio pra me levar trouxe minha irmã Urda, sim é este mesmo o nome dela: Urda. A Urda tem uma forma mais dura de falar e de ver as coisas, pra ela não tem nuances ou é preto ou branco, sempre foi mais agressiva e determinada naquilo que deseja, temos uma diferença de dois anos, e no meio  de nós tínhamos um irmão que faleceu ainda bebê.
           Retornando a cena da minha avó... estávamos na pequena cozinha da casa da minha avó e ela perguntou a idade da minha irmã,...
         -Sete vó
         -Tá na escola então?
         E a conversa caminhava por aí quando minha irmã encontrou a mesma cartilha que ela usava, no meio das linhas e das lãs da minha avó.
        -Você achou meu livro, eu também vou pra escola.
        Minha irmã, sem cerimonia começou a ler a cartilha em voz alta...
        Percebi nos olhos da minha avó o quanto ela se sentia inferiorizada, humilhada...Ela parou o que estava fazendo, abriu outras páginas da cartilha e pediu pra minha irmã confirmar que sabia ler aquilo também...mais uma página...outra...até que ela disse que não adiantava nada pra velho saber ler e que não iria mais na tal escola já que era cabeça dura demais e não aprendeu nada.
       -Minha netinha já lê a cartilha todinha, já conhece o ABC...mas não sabe crochê sabe?
       -Não vó.
       -Se quiser a vó te ensina.
       - Não gosto de crochê vó.
        Neste momento, lembro que pedi pra ela me explicar os pontos da blusa e prometi que ia ensina la a lêr...minha avó recusou minha ajuda mas me ensinou mais do que crochê.
      Quando olho os trabalhos feitos por minha vó, fico orgulhosa em ser sua neta, uma mulata  analfabeta, pobre, que fazia tantas coisas sem conhecer uma só palavra.
        Exemplos recebi também do meu avô materno, que muito pouco frequentou uma escola, talvez alguns meses, e lia muito bem. Trabalhava como marceneiro e fazia pisos de madeira, telhados, móveis, brinquedos, tudo com medidas exatas, ângulos...nunca perdia um tábua sequer, era serviços eram sempre elogiados...com mais de 60 anos aprendeu  pintar quadros...admirável.
      Tempos difíceis aqueles, onde enfrentaram uma Revolução; o tifo; a febre Espanhola; a falta de hospitais, médicos...onde a grande maioria era analfabeta...
      Como eles sobreviveram?
       Creio que eles venceram a guerra. Eles lutaram contra as discriminações, romperam limites...pela vida, pela família.  Conheciam seus inimigos e sabiam quem eram e tinham a motivação porque lutar... não se abateram... não recuaram e graças a as suas vitórias estou aqui.
      Sun Tzu escreveu " A arte da guerra", há 2.500 anos onde dá conselhos de como um governante e um general poderão obter grandes resultados nas suas empreitadas na guerra.
      Meus avós deixaram exemplos de como sobreviver na guerra e compreender como mais importante  manter se vivo e capaz de retomar as armas...espero não esquecer estas lições: ter orgulho de ser quem sou, da minha história; ser humilde e nunca submisso e acreditar que com esforço próprio é possível superar seus limites e combater as desigualdades.
     Na escola tive pouquíssimas amigas, no máximo duas: Maria Inês e a Raquel.
     Ambas em situação financeira melhor que a minha, tanto é que minhas roupas vinham do guarda roupas delas. Meus cadernos de tarefa, eram as folhas de papel de pão costuradas com linha e agulha e suas linhas feitas com régua pela minha mãe. Nosso colchão era de palha, nossa coberta era feita de pedaços de saco de estopa e couro de animais costurados num pano de morim, aquilo esquentava e era tremendamente pesado, mal conseguíamos nos mexer à noite.
      Plantávamos, criávamos galinha...trabalhávamos na colheita do algodão...meu pai era soldado, trabalhava de funileiro, de chapa ( descarregava cimento dos caminhões)...
     Lutamos sempre...fomos ensinados pelo meu pai desta forma : quem não trabalha, não come.
 Meu pai não priorizava os estudos, principalmente para as meninas, então decidi que iria estudar por mim.
      Li muitos livros desde menina, escolhi que era esta uma das minhas armas nesta guerra.
      E nesta guerra pela sobrevivência, somos somente 5 os que ainda estão vivos, sendo que um dos meus irmãos não é filho do meu pai, que também já faleceu. Aprendemos a lidar com as nossas necessidades, não recusamos ajuda nem rejeitamos trabalho mas, antes de tudo, assumimos nosso compromisso de cuidar da nossa família, nossa maior riqueza.
      Desde os tempos bíblicos que a riqueza de um homem vinha do número de seus descendentes, esta era uma das razões que justificavam a bigamia, o incesto, o casamento entre cunhados.
      E a guerra deste novos tempos , é diferente daquela do tempo dos meus avós?
      Como vencer esta guerra? Quais são as nossas armas? Contra quem lutamos? e por que?
     Qual o preço que vamos pagar?
     Hoje, mais que nunca, me sinto numa guerra.
    Basta olhar ao redor e ver a miséria nas ruas, as mulheres e as crianças puxando carrinho de papelão; são muitas as pessoas com fome, as crianças, abandonadas, a violência...
    Vamos rever o Estatuto das armas. Isto basta?
    Vamos por mais policia nas ruas. É suficiente?
    Vamos lutar contra o tráfico. E nunca prender os colarinhos branco?
    Que tipo de guerra estão fazendo? Eu não entendo se contra o povo, pois é sempre este que sofre mais...que morre nas filas dos hospitais que fecham...que adoecem por falta de saneamento, de água tratada, de fome...que são levados pelas enchentes...que são empurrados pelos interesses imobiliários, que são manipulados em estatísticas...
    São estas pessoas que perdem seus filhos para o tráfico e que assistem eles morrerem ainda meninos, dependentes do crack e sem tratamento.
   Quem está do lado de cá e quem é o nosso inimigo?
   Estamos armados de que? De um Estado poderoso e capaz de ditar guerra: à violência; à fome; ao trafico; à inflação; à sonegação; à corrupção, são tantas guerras.
Bom mesmo seria a cooperação entre as pessoas, o amor ao próximo...A PAZ. 
Disse Sun Tzu "  Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas..."

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